Manifesto

Michael Buckland foi pioneiro na abordagem das novas configurações que o digital veio impor às bibliotecas. Na sua obra seminal de 1992 realizou uma análise profunda e circunstanciada que manteve a sua relevância até hoje, pesem embora todas as mudanças entretanto ocorridas. Mas, logo no prefácio, antes de afirmar que o seu trabalho "se concentra nos efeitos de longo prazo da mudança tecnológica nos serviços prestados pelas bibliotecas", deixa-nos um aviso que é conveniente não ignorar:

A mudança tecnológica é apenas um dos factores que moldam as instituições. Para além dela, há também a mudança cultural, a mudança dos valores políticos e sociais, a mudança económica e a mudança daquilo que é conhecido e compreendido.

Tais factores têm de ser equacionados para que uma análise pretenda ser mais do que a mera "espuma dos dias". Antes de tudo, Buckland fornece-nos um enunciado simples para a missão para as bibliotecas, formulada de forma singela, mas nem por isso menos inquestionável:

O objectivo essencial das bibliotecas é o fornecimento dum serviço: acesso à informação. (p. 5)

Mas tal acesso, por si só, pode revelar-se muito problemático, se pensarmos que 'informação' é um conceito mutável e ilusivo.

O debate acerca do fornecimento de 'acesso' à 'informação' é correntemente incompleto ou equívoco. O termo 'informação' é usado com significados muito diversos, sendo vulgarmente utilizado atributivamente para designar livros, revistas científcas, bases de dados e outros objectos físicos encarados como tendo potencial informativo. O acesso a documentos potencialmente informativos depende da identificação, localização e obtenção de formas economicamente viáveis de acesso físico a esses documentos. No entanto, é preciso mais do que isso para que alguém se considere informado, ou veja acrescido o seu conhecimento: o leitor precisa de ser capaz de entender e avaliar os conteúdos. Se aquilo que é encontrado for rejeitado ou incompreendido, então pouca informação terá daí resultado.

Do objectivo enunciado na penúltima das citações acima, podem inferir-se dois novos corolários de igual simplicidade:

[1.] O papel das bibliotecas é fornecer acesso a documentos; e
[2.] A missão das bibliotecas consiste quer no apoio à missão da instituição [em que se insere], quer em servir os interesse da população.

Uma tal concepção pode facilmente ser datado da segunda metade do Séc. XIX e caracteriza-se:

1. pela ideia de que as colecções das bibliotecas estão ao serviço [dos seus utilizadores];
2. pela noção de que [essas colecções] resultam dum processo sistemático e orientado de selecção dos documentos;
3. pela adopção de uma série de inovações técnicas, de que são exemplo a arrumação relativa dos espécies […], práticas de catalogação melhoradas, sistematização da classificação por assuntos, catálogos baseados em fichas e esforços continuados de normalização e cooperação [interbibliotecas]; e
4. por uma orientação para o livre acesso e o auto-serviço, claramente datada do Séc. XX.

É assim possível estabelecer dois planos distintos para uma análise dos serviços da biblioteca — por um lado, o plano dos documentos que constituem a sua colecção; por outro, o plano das operações técnicas que a biblioteca executa ao gerir a sua colecção. Esta cisão permite, por sua vez, posicionar uma instituição — uma determinada biblioteca, por exemplo — em relação a estes dois vectores, para permitir perceber qual o estádio evolutivo em que se encontra, conforme se pode ver no esquema abaixo.

Tipo de Biblioteca Tratamento Documentação
Papel » Papel Papel
Automatizada » Computador Papel
Electrónica (i.e., Digital) » Computador Digital

Fonte:
Michael BUCKLAND - Redesigning Library Services: A Manifesto.
Chicago, American Library Association Books, 1992.
[ISBN-10: 0-8389-0590-0; disponível em: http://sunsite.berkeley.edu/Literature/Library/Redesigning/; último acesso: 2008.05.07]

Unless otherwise stated, the content of this page is licensed under Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0 License